ENSAIO SOBRE A CRISE – 1
Tenho sentido a necessidade de escrever, de fazer catarse dos sentimentos que me perpassam nestes tempos de descrença, de violência, de ânimos inflamados, de convulsão política.
Amo tanto meu país, meu povo, acredito no mundo, nas pessoas, sinto a profusão do amor divino e creio que o destino de nosso planeta é ser cada vez melhor e mais feliz.
Vivenciamos uma crise que não é de hoje, nem de ontem, mas fruto de hábitos recalcitrantes, de legados históricos que remontam ao velho mundo, suas tramas e novelos.
Um amigo, hoje, refletindo sobre a crise, vê aí uma esperança, um ponto de inflexão para mudanças de paradigmas, afinal como se curaria a doença se não fosse o sintoma?... Este turbulência política não é fruto do acaso..., como diz o velho ditado: “onde tem fumaça, tem fogo”!
Penso também que não se trata de uma crise restrita a terra brasilis, pois vivemos uma experiência planetária, no ensejo do legado cultural do que se construiu, da relação entre ocidente e oriente, das violências que se perpetuaram, das omissões, da palavra que fere, da palavra não dita, da mão que afaga e da mão que sufoca...
Se existe crise é possível pegá-la com as mãos, ter acesso ao que de concreto nela há? Talvez, à moda dos filmes de perseguição quando tudo se resolve quando se mata o sanguinário ladrão?... Não acredito em tentar pegar a crise pelo rabo, nem creio em matar a crise. Penso que a primeira coisa é aceitarmos o semblante dos tempos em que vivemos, onde, paradoxalmente, ao avanço tecnológico, somos vítimas de simples mosquitos que nos tiram o sossego e raças ainda cometem genocídios entre si, irmãos se degladiam na luta pelo poder, homens violentam outros homens em nome da religião.
Então, conquanto seja de reconhecer que tal semblante de crise deixe um rastro material, cujos exemplos são fartos, vide doença, pobreza, divisão injusta de viveres, guerra, ainda penso que o fator mais nevrálgico da crise seja o referente a miséria moral que sustenta este ambiente doentio que recrudesce, dia após dia, que nos mina as forças, que nos antolha no escaninho da mediocridade.
Se crise há penso ser por conta dos valores que perpetuamos, os apegos, as carências, as imposições, os medos, as ilusões de poder. Este aspecto moral e valorativo é, a meu ver, o epicentro da crise. Como se diz, a morte é certa, não é propriamente um malogro, mas um fato, o único fato certo. Mas, o que me preocupa é o “querer viver torto”, não querer enxergar o sol, recalcitrar em querer viver no mundo das cavernas, de que trata a magistral alegoria platônica.
Penso que a crise não é fruto do castigo divino, mas uma condição do homem no estágio involutivo que ainda se encontra. Afinal, para que serve o sofrimento senão para apontar os desacertos dos nossos plantios? Ninguém em sã consciência deseja ter para si um sofrimento gratuitamente, porém este sofrimento, via de regra, se encontra nas entrelinhas de nossas buscas mal direcionadas, como soe acontecer, por exemplo, quando queremos aniquilar o outro acreditando ser a fonte de nossas desditas, mas, no íntimo, sofremos pelas carências de se sentir não compreendido ou acreditar que o outro não nos tem em consideração.
Que dizer da crise que nos fustiga, sob as versões, ora dos nossos olhos, ora dos olhos de Deus, que na refração de cada novo sol nascente, esparge todos os males, dissipa os miasmas, faz brotar a esperança que um novo dia pode acontecer, um novo horizonte para nós sorrir?
Se repetimos padrões, se acreditamos no perpetuar da crise, tal como âncora que apoditicamente nos leva para o fundo das profundezas abissais da descrença, somos nós mesmo a alimentar a doença, somos nós que nos confinamos a camisa de força que pelo livre arbítrio nos impusemos. Como disse, aos olhos de Deus há o amor, que vê a vida florescendo, onde outro vê o escândalo, a perdição, a descrença.
É curioso como ainda nos digladiamos pela luta pelo poder, em meio a um universo, uma natureza tão generosos, um mundo tão grande, tão pleno de sabedoria e ciência, onde se encontram todas as respostas para as nossas hesitações, onde há toda a fonte da vida, do alimento, da cura, da felicidade.
É curioso, paradoxal, que nossa natureza, a mãe que nos alimenta, constante e insistentemente seja violentada pela nossa sociedade. O homem em sua grandiloquência de poder e crença em seu suposto saber não sabe sequer lidar (ou teima em não se interessar) pelo destino do “lixo” que dejeta no meio ambiente. O homem maquina lucros colossais enquanto seus semelhantes morrem de fome.
O Estado liberal vem reiteradamente demonstrando suas contradições e continuamos querendo fechar os olhos para o sintoma, não propriamente do Estado, visto que o Estado é o próprio Gigante Leviatã que nós mesmos criamos como entidade acima de nós. Os sintomas de impotência são nossos mesmos e não podem ser tributados a qualquer fetiche que projetamos no alheio, seja o Estado, o Dinheiro ou qualquer outro. A crise do Estado Liberal é a crise fruto de nossa incapacidade de organização e de construir em conjunto uma sociedade melhor. Continuamos querendo acreditar no maná, no dia que teremos dinheiro suficiente para aplacar com sua mais valia todas as nossas carências, nos livrar dos inimigos, dos medos, destino, este, inglório que nos impomos em teimar singrar este caminho funesto. Eleger falsos ídolos, querer aplacar a crise com o próprio mal que depositamos sobre nós.
Se a ideia de estado liberal, laico, secularizado, funda-se na máxima utilitarista da maximização do prazer, como se pode entender o que isto seja? Como disse antes, o Estado Liberal é fruto de nossas próprias concepções, não é um outro apartado de nós, mas, ao contrário, se encontra na entranha dos nossos desejos, das nossas mais íntimas inspirações.
Quando elegemos o dinheiro como mediador das relações e como símbolo ou pretensão do concretizar desta maximização do prazer, estamos delegando a um outro a cara prerrogativa de auto condução dos nossos destinos. Sermos autores de nosso destino é uma centelha do amor divino, é um milagre, é a maior expressão que pode existir da liberdade, vez que não pode haver liberdade sem que cada um dê a si o crédito e a oportunidade de caminhar com as próprias pernas, de criar, de se expressar, de se realizar através de seus méritos e esforços.
Nossa sociedade se confinou a tola crença de que o dinheiro seria a moeda de troca, que poderia levar a perpetuação natural das relações e justa distribuição das riquezas.
Continuarei na próxima semana a falar sobre isto, acredito que ainda tenho muito a caminhar. Necessito desta catarse, pois para mim esta uma forma de me realizar, de encontrar o valor que existe em mim.
A pretensão de que o dinheiro a tudo meça e a tudo valore é uma pretensão inglória. Nossa mundo contemporâneo já dá sinais de entender na prática o que isto significa. Por ora, cinjo-me a dois exemplos e depois continuaremos a refletir sobre o assunto.
Outro dia li pelo facebook que a lei francesa passou a exigir que os Supermercados não joguem fora o que deixam de vender e daí a se obrigarem a doar para os mais necessitados ou instituições de caridade. Se focado pelos valores tradicionais conforme os quais o dono tem o direito de dispor do que é seu segundo seus próprios caprichos e conforme a concepção de que a doação não implicou para o dono Supermercado nenhum lucro, poderíamos pensar que a lei foi para ele um mal, um tolhimento de sua anterior liberdade. Ao contrário, penso nisso como um avanço, o qual, inclusive, permite a sobrevivência de um modelo liberal, claro, matizado pela contemplação de outros valores tão ou mais caros, o que significa equacionar a proteção do princípio egóico à proteção da demanda social pela justa distribuição das riquezas, equacionar o individual ao coletivo.
Pensando num outro exemplo, como se pode permitir que um agricultor que colheu frutos bons e saudáveis tenha nisso um desvalor somente por não ter conseguido vender os frutos e transformá-los em dinheiro?!... Como admitir que o dinheiro (um ser inanimado, que, ante sua abstração, sequer uma gota de água vale, a não ser que nós mesmos lhe dermos tal poder) possa predizer nosso destino?!... Condenar uma produção de riquezas, fruto do esforço social, sejam vestuários, alimentos ou quaisquer outros bens, ao desvalor econômico porque, devido às circunstâncias (as circunstâncias são várias, por exemplo, concorrência com o produto mais barato chinês; determinado alimento que a sociedade não consome; falta de escoamento ou comunicação, juros bancários, etc) não puderam ser convolados em dinheiro, significa atribuir ao Deus-Dinheiro a veleidade de guiar e ditas nossos destinos.
Veja como é cruel este destino que nos impomos, pois nos conformamos em sepultar trabalhadores, empresários, agricultores, artesões, porque não tiveram condição de transformar os bens que produzem em dinheiro. Daí, desprezamos todos estes bens como se fossem um nada para a sociedade, enquanto grande parcela desta sociedade tem carência por estes mesmos vestuários, alimentos e bens de natureza diversa. Porque permitimos a perpetuação dessas injustiças? Porque não conseguimos enxergar o valor social das coisas, senão pelo estrito prisma de sua conotação pecuniária?!...
Ainda tenho muito a caminhar. Me aguardem. Até a próxima. Saravá do Othonfilosófico.
Sabias palavras meu Mestre. Esse eh um momento para união e não para disputas "IMBECIS" que não nos leva a lugar nenhum. Eh um momento para refletirmos e nos unirmos e de mãos dadas, seguirmos em frente praticando o bem e os bons costumes. O Brasil e mundo precisam disso!
ResponderExcluirVassuncê sóbrio como sempre, meu fio! E é vero: nem tudo pode passar pelo crivo do papel-moeda! Sodade das nossas violadas em noite enluarada em Santumé, da prosa e - claro - da nossa lavagem de dinheiro na cachoeira de Jacumã :o) Violero Aroêra
ResponderExcluirQuerido tio Marcelo domador de cordas e acordes, suns idéias em muitos pontos vêm ao encontro das minhas, as vezes se afastam um pouco mas seguem tangebciando...Importa é que possuem o desejo mais puro do bem maior...Coisa de Deus!! Persevere!!!Abraços saudosos 🍀Vivi
ResponderExcluirQuerido tio Marcelo domador de cordas e acordes, suns idéias em muitos pontos vêm ao encontro das minhas, as vezes se afastam um pouco mas seguem tangebciando...Importa é que possuem o desejo mais puro do bem maior...Coisa de Deus!! Persevere!!!Abraços saudosos 🍀Vivi
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