segunda-feira, 18 de abril de 2016

ENSAIO SOBRE A CRISE II - O Carpinteiro das palavras


O CARPINTEIRO DAS PALAVRAS

ENSAIO SOBRE A CRISE II


Rememorando o que dizia no texto anterior “Ensaio sobre a Crise I”, que a crise é muito mais valorativa ou fruto das nossas concepções, julgamentos e percepções, bem como que a sociedade deusificou o dinheiro de forma a pretender que tudo nele se convole e o dinheiro passe a ganhar vida própria e mediar as relações. Quando digo sociedade, quero me referir ao próprio homem que concebe valores, o que gera culturas, que soam ter vida própria e o homem sente-se tão confinado a elas, parecendo até querer se livrar da aparente prisão ou, de outro modo, jurar de pés juntos que¸ em sã consciência, nunca admitiria que impôs sobre si mesmo tais valores. Porém, paradoxalmente, foi este mesmo homem que concebeu e quis para si de caso pensado tais valores.


Esta questão da hermetização da economia ou de pretender um certo automatismo ou a fórmula perfeita para perpetuar as relação tal como uma engrenagem, parece sedutora, mas vejo que a experiência tem demonstrato que este aparente atalho tem nos custado caro.

Há várias evidências que denotam tal carestia. Se tudo precisa passar pela sociedade de consumo e ter uma representação pecuniária, o reflexo disso é que o que há de dinâmico na vida finda por não ser percebido nesta lógica ortodoxa de comparar o que há de vivo com a metrificação quantitativa e abstrata do papel moeda, e daí à mumificação. Se vendo um vinho excelente e raro por um preço que valoro bastante alto proporcional à qualidade do produto no mercado e, de outro lado, o sistema é impotente para valorar todas as demais relações periféricas à produção do vinho, desde as relações de trabalho, a poluição, o impacto sobre a natureza, sou erroneamente conduzido a concluir que o valor da produção do vinho é o resultado do preço do produto e o que recolho pela venda respectiva, quando na verdade a produção do vinho são todas as relações que gera em dinâmica confluência com a natureza e as consequências respectivas.  


O dinheiro não sabe pensar com polaridades opostas ou transversas, pois o homem tende a valorar somente a relação da produção para o consumo e todas as n-demais-relações ficam ao ocaso. Exemplifico:  se os agrotóxicos custam o valor correspondente a utilidade que vá ter para os agricultores que desejam a certeza na colheita do fruto e aparência desejada, qual o valor pecuniário que se possa dar ao tanto que o agrotóxico agride a natureza, a biodiversidade e a saúde humana? É lógico que tal impacto do agrotóxico sobre a natureza possui um valor, que nem precisaria da mediação do dinheiro para dizê-lo valor vez que possui valor-em-si, ou seja, a ação do agrotóxico sobre a natureza pinta um retrato real ou desencadeia relações reais na natureza. 


Mas, seja como for, a cultura do dinheiro, na feição que lhe dá seu protagonista-homem, teima em se deter na aferição de valor da relação de consumo, ou seja, na lógica de uma só direção, no fluxo da venda ou desova no mercado. Para as demais relações adjacentes à relação de consumo, não há o interesse apriorístico em valora-las, porque daí a ilusão do produtor/vendedor de produzir mais valia se desvaneceria.  Via de regra, o produtor tende a omitir ou tentar esconder os efeitos econômicos indesejados da produção, tais, por exemplo, o despejo dos dejetos de um matadouro no rio ou do agrotóxico no lençol freático, porque não quer ter que arcar com custos que diminuam seus lucros.   
O interessante é que estas relações são econômicas com vida própria, isto é, existem independente da aferição quantitativa da pecúnia. Um agrotóxico ou dejeto químico de uma industria que é jogado ao rio e causa mortandade de peixes, fauna e flora e até de pessoas tem uma dimensão econômica-de-per-si, pois a economia mora na natureza. Caso não restar uma gota de água sequer no mundo não haveria dinheiro que pagasse pela gota, pois em sua materialidade existe uma ínsita e insofismável economia que até zomba do dinheiro.


Disse que o homem tende a querer omitir o que não lhe convêm, como, por exemplo, quando despeja poluição de forma inconsequente na natureza. Via de regra, faz isso porque não lhe custa aparente nada, como é muito comum acontecer no campo ou cidades do interior, onde não há controle ou fiscalização referente aos impactos dos agrotóxicos das lavouras sobre a natureza, ou sobre a poluição dos matadouros nos rios e lençóis freáticos. Somente sentirá o aspecto funesto deste impacto poluidor causado quando for, por ventura, multado pela autoridade ambiental, ou, incidentalmente, tiver algum prejuízo consigo ou seus familiares, por exemplo, a conspurcação ou envenenamento da água que se bebe, a qualidade da água de se tomar banho ou de se nadar no rio.


Comecei o texto dizendo da burrice do dinheiro para querer tudo nomear, em meio a uma natureza na qual a expressão do valor é dinâmica, pois o rio da natureza não para. Sua capacidade de tudo comunicar é inerente. Disse também que o homem a princípio tende apenas a querer atribuir versão econômica, no sentido de “pecuniária”, ao que lhe interessa,  isto  é, à relação de consumo.


A questão que daí se desvela é que, ainda que se quisesse dar uma conotação em padrão monetário, de todas as relações naturais envolvidas num determinado processo de produção, resultaria em alguma utilidade? Por exemplo, se todas as peças do boi esquartejado no matadouro valem R$ 1.000,00, o tratamento adequado das sobras ou dejetos da produção valeria, por exemplo R$ 250,00, a observância das leis trabalhistas valeria mais R$ 250,00 e assim por diante. Mas, daí, o que eu faria com este valor contabilizado senão no encarecimento da minha produção? É claro que nestes três preços só um corresponde ao crédito, pois os outros dois correspondem aos débitos.


Sem querer pôr um ponto final na questão, vamos pensar sob outro ângulo. É possível aquilatar os valores envolvidos numa relação produtiva sem ter que eleger o dinheiro como mediador deste processo? Ou seja, valer-se de meios sustentáveis de produção mediante o engenho da consecução de meios naturais? É uma questão instigante. Em nossa sociedade, quando temos uma doença recorremos ao médico que nos receita o produto-remédio que temos que comprar. Compramos as verduras que consumimos, pois, via de regra, não temos o costume de cultivar hortas em casa ou comunitariamente. 

Pensando numa dita produção sustentável que necessite o quanto menos da ideia da compra do produto ou antídoto, lembro que na minha infância passava as férias na fazenda do tio Sebastião, que era um homem avançado para sua época, e que produzia o gás utilizado para o cozimento do alimento de casa com esterco das suas vacas armazenado em tanques e sob pressão. Logicamente, ele gastou dinheiro para fazer a alvenaria dos tanques com cimento e tijolo e também gastou com o encanamento para levar o gás até sua residência, mas a economia que obteve foi considerável, pois dispensou para o resto da vida a compra do gás e a demanda de armazenamento em bujões e todas as relações derivadas da produção do gás. 

Uma fazenda, encravada na natureza, é um centro de imputação de relações naturais e a observação e pesquisa destas relações pode trazer muitos alentos e resultar sustentabilidade, por exemplo, tratamento adequado do lixo através de meios naturais.

Na próxima semana continuaremos caminhando, aprendendo com a crise, procurando entender a dor da natureza em face das agressões que lhe perpetramos e procurando entender o que a natureza tem a nos ensinar. A natureza não cobra nada em pecúnia por essas agressões, mas pode ter certeza que a natureza devolve pra gente com juros e mais juros, vide, por exemplo, a desertificação e suas consequências funestas, fruto do desmatamento.   

Saravá meu povo!



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