sexta-feira, 6 de maio de 2016

O CARPINTEIRO DAS PALAVRAS - ENSAIO SOBRE A CRISE IV



 O BANQUEIRO DONO DO DINHEIRO E CREDOR DA SOCIEDADE.


                 
Falávamos sobre a crise, que, a par de seus reflexos materiais, é, sobretudo, moral e de valores, atinente à incapacidade da sociedade “dita civilizada” de alcançar um patamar de convívio social sábio e pacífico. É paradoxal que nossa sociedade ocidental, a par de seus avanços científicos e tecnológicos, logrando alcançar a lua, quebrar o átomo, até o presente conviva com este grau de primariedade sobretudo moral. É interessante que o progresso da inteligência não caminha inexoravelmente no mesmo sentido do progresso moral, conclusão já tecida por Jean Jacques Rousseau, quando em 1750 ganhou prêmio da Academia de Dijon ao responder à questão de se o progresso da ciência contribuiu para o progresso dos costumes.

               

                Comenta-se que nossa sociedade “dita civilizada” não conseguiu atingir o grau de coesão social dos índios. Nossa sociedade ocidental, formatada na máxima hedonista da busca do prazer individual e na dogmatização das relações, nega o corpo, nega o âmbito coletivo e nega a relação com a natureza. Ou melhor a relação com a natureza, a qual por si abrangente e rica de “n” matizes, é hermetizada na relação de consumo e na repetição ou dogmatização condizente à rotina que nos amolda à peças da linha de produção direcionada à produção e ao consumo. Por não nos permitirmos uma relação mais profunda e abrangente com a natureza, via de consequência, nossa experiência é amesquinhada. Já, os índios que, paradoxalmente, têm parcos recursos tecnológicos, de outra banda, têm uma profunda e rica relação com a natureza.

               

                Neste espectro da transformação da natureza, por si complexa, fluida e dinâmica, num fetiche sem vida, vou me deter por ora no papel atribuído ao dinheiro de propiciar a disciplina da reprodução da natureza afunilada na camisa de força que lhe querem impingir.

               

                A pretensão do dinheiro valorar a natureza é bastante limitada em vários sentidos, seja porque afere analogicamente, seja porque pensa monopolizar o valor que à natureza e não a ele pertence. O dinheiro, na sua formatação da cultura ocidental, é um sobrevalor sobre o valor, é um monopólio do mais rico oprimindo o mais pobre. O dinheiro do mais pobre deveria ter o poder do comprar relativamente mais. Deveria... porém, o contrário é o que acontece. Países ricos costumam ter moeda mais forte.



                O dinheiro, em nossa cultura ocidental, funestamente, cumpre o papel de segregar, de impor relações assimétricas. O maior exemplo disso são os Bancos, os quais ocupam, em nossa cultura do dinheiro, o lugar de credor da riqueza. Ou seja, a riqueza deve ao dinheiro. O trabalho deve ao dinheiro.  O ar que respiramos, a água que bebemos, todos somos devedores do dinheiro. É uma sociedade masoquista do “culto ao dinheiro” como validador das relações. Se a relação não puder ser validada pelo dinheiro está sujeita ao limbo, ao ocaso.

               

                Este lugar do banqueiro como credor da sociedade precisa ser seriamente confrontado, pois, do contrário, veremos a crise se perpetuar, o doença social agonizar..., veremos, cada vez mais, as demandas sociais desatendidas. A continuar a navegar esta temerária nau guiada pelo piloto-banqueiro, seremos sempre devedores do credor-dinheiro. Por mais que estejamos esquálidos, inválidos, raquíticos, em estado de inanição, seremos a sombra, o desvalor!



                Não faço vistas grossas para o fato de que é um grande desafio harmonizar a esfera do “individual” com a esfera do “coletivo”. Mas, também é forçoso considerar que esta harmonização não é apenas uma recomendação, mas, ao contrário, entendo que tal harmonização é palavra de ordem. Isto, porque tal harmonização constitui imperativo da própria natureza. A natureza é um sistema fechado. Não produz sobras como o dinheiro. O lixo que a sistema de consumo produz é considerado como um “fora” para a sociedade, mas para a natureza é um “dentro”. A natureza não convive com o oposto, não segrega. Já, o dinheiro vive de segregar. Enquanto para a natureza tudo converge, a cultura do dinheiro joga o jogo do sim-não, do dentro-fora.

               

                Se para o banqueiro o devedor não paga, este devedor, por mais que tenha gerado riqueza por intermédio da combinação entre trabalho e natureza, de nada para o banqueiro valerá. Ou, apenas valerá o resto de patrimônio que o abutre-banqueiro conseguir tirar do malsucedido empresário, até tirar-lhe a última gota de sangue.



                Ou seja, o semblante da crise de valores que vivemos tem uma de suas mais contundentes evidências ao legitimar ao banqueiro o lócus privado de credor da sociedade.

                O dinheiro deveria, quanto muito, funcionar como meio para a geração de riqueza e progresso social, mas, de forma alguma, açambarcar o valor. Deveria estar a serviço do fomento da riqueza e do trabalho equacionados à demanda do progresso social e respeito à natureza. Isto é, disponibilização de dinheiro como meio de inserção social, de propiciar o acesso à riqueza e ao trabalho. Como meio de equacionar este alento econômico que se dá ao indivíduo de forma a conjugar esta investida com o atendimento da demanda social por viveres e condições salubres de existência coletiva.

               

                Se João empresta X de dinheiro e planta uma horta e vende verduras, com o dinheiro das verduras paga o empréstimo. Se não consegue vender as verduras, não pode pagar o empréstimo, mas nem por isso deixou de produzir riquezas. Se não paga o banqueiro, pode matar a fome de alguém. Seu trabalho tem uma função social, mas o banqueiro constantemente sublima este fato. O banqueiro, “dono do dinheiro”, não tem riscos, pois o dinheiro é o fetiche incontrastável do valor, aquilo que vale pelo que é e não por aquilo que pode representar. O banqueiro “dono do dinheiro” não se responsabiliza pelo destino da riqueza que seu dinheiro desencadeia. O banqueiro comodamente lava suas mãos. Não interessa a eles se as roupas podem agasalhar pessoas, se os alimentos podem salvar vidas, se a produção pode gerar lixo e poluição, se as guloseimas produzem cáries nas crianças, se a bebida gera vício... Somente a ele interessa sua expectativa de crédito. O único risco que corre é não poder alcançar o patrimônio do devedor inadimplente. O banqueiro, dito “dono do dinheiro” não tem compromisso com esta demanda de harmonização entre o individual e o coletivo. Já viu um Banqueiro investindo em pesquisa da viabilidade econômica da reciclagem do lixo como meio de harmonizar a demanda de geração de lixo em função do consumo à demanda de cuidar da natureza e das pessoas? Já viu um banqueiro contentando-se em receber proporcionalmente menos se o devedor carreia parte de sua produção para um orfanato, por exemplo? Já viu um banqueiro preocupado com a viabilidade econômica de um negócio, isto é, comprometendo-se a responder pelo risco de um negócio mal sucedido?



                Para o banqueiro o dinheiro gera lucro pelo simples fato de seus juros. Isto, do ponto de vista econômico, é uma hecatombe.  O dinheiro não pode gerar nem um miligrama de riqueza, ele não pode produzir riqueza sobre ele mesmo. Se, por exemplo, o banqueiro empresta X e o devedor consome este dinheiro sem gerar nenhuma riqueza através do trabalho, este dinheiro foi reduzido a zero, ao contrário da concepção vigente de que o valor do dinheiro será X­ + Y (sendo “y” a paga do dinheiro). No exemplo, o dinheiro apenas valerá a circulação que propiciou através dos gastos realizados pelo emprestador temerário que o consumiu em prodigalidades. Para que o dinheiro gerasse X + Y este Y teria que ser uma riqueza econômica fruto do trabalho mais natureza. O dinheiro não pode gerar X + Y aprioristicamente, ou pelo mero poder credor do dinheiro. O dinheiro não pode impor a relação econômica O dinheiro, ante sua abstração, não tem tal poder de inferir sobre a natureza. Somente a natureza detém realidade. Se o dinheiro souber conjugar o verbo da natureza poderá representar tal realidade, do contrário não. O dinheiro só pode ser matizado pela riqueza social (isto é, trabalho sustentável que atende à demanda social), mas o contrário não. Se a sociedade vai bem o dinheiro tem o valor, mas se a sociedade vai mal ou está esquálida, podemos fazer as seguintes afirmações quanto ao dinheiro: de nada valerá; não será em hipótese alguma credor da sociedade; quanto muito será um impotente, por não ter cumprido sua função de fomento; no mais das vezes tem funcionado como algoz dessa sociedade ao se apequenar no cômodo lugar do senhor-credor.

               
 Por hoje vamos parando por aqui. A quem deseje entender um pouco mais do meu pensamento leia o artigo já publicado neste blog onde discorro sobre a natureza dos juros bancários. Vamos caminhando. Saravá meu povo!

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