O BANQUEIRO DONO DO DINHEIRO E CREDOR DA SOCIEDADE.
Falávamos
sobre a crise, que, a par de seus reflexos materiais, é, sobretudo, moral e de
valores, atinente à incapacidade da sociedade “dita civilizada” de alcançar um
patamar de convívio social sábio e pacífico. É paradoxal que nossa sociedade
ocidental, a par de seus avanços científicos e tecnológicos, logrando alcançar
a lua, quebrar o átomo, até o presente conviva com este grau de primariedade
sobretudo moral. É interessante que o progresso da inteligência não caminha
inexoravelmente no mesmo sentido do progresso moral, conclusão já tecida por
Jean Jacques Rousseau, quando em 1750 ganhou prêmio da Academia de Dijon ao
responder à questão de se o progresso da ciência contribuiu para o progresso
dos costumes.
Comenta-se
que nossa sociedade “dita civilizada” não conseguiu atingir o grau de coesão
social dos índios. Nossa sociedade ocidental, formatada na máxima hedonista da
busca do prazer individual e na dogmatização das relações, nega o corpo, nega o
âmbito coletivo e nega a relação com a natureza. Ou melhor a relação com a
natureza, a qual por si abrangente e rica de “n” matizes, é hermetizada na
relação de consumo e na repetição ou dogmatização condizente à rotina que nos
amolda à peças da linha de produção direcionada à produção e ao consumo. Por
não nos permitirmos uma relação mais profunda e abrangente com a natureza, via
de consequência, nossa experiência é amesquinhada. Já, os índios que,
paradoxalmente, têm parcos recursos tecnológicos, de outra banda, têm uma
profunda e rica relação com a natureza.
Neste
espectro da transformação da natureza, por si complexa, fluida e dinâmica, num
fetiche sem vida, vou me deter por ora no papel atribuído ao dinheiro de
propiciar a disciplina da reprodução da natureza afunilada na camisa de força
que lhe querem impingir.
A
pretensão do dinheiro valorar a natureza é bastante limitada em vários
sentidos, seja porque afere analogicamente, seja porque pensa monopolizar o
valor que à natureza e não a ele pertence. O dinheiro, na sua formatação da
cultura ocidental, é um sobrevalor sobre o valor, é um monopólio do mais rico
oprimindo o mais pobre. O dinheiro do mais pobre deveria ter o poder do comprar
relativamente mais. Deveria... porém, o contrário é o que acontece. Países
ricos costumam ter moeda mais forte.
O
dinheiro, em nossa cultura ocidental, funestamente, cumpre o papel de segregar,
de impor relações assimétricas. O maior exemplo disso são os Bancos, os quais
ocupam, em nossa cultura do dinheiro, o lugar de credor da riqueza. Ou seja, a
riqueza deve ao dinheiro. O trabalho deve ao dinheiro. O ar que respiramos, a água que bebemos,
todos somos devedores do dinheiro. É uma sociedade masoquista do “culto ao
dinheiro” como validador das relações. Se a relação não puder ser validada pelo
dinheiro está sujeita ao limbo, ao ocaso.
Este
lugar do banqueiro como credor da sociedade precisa ser seriamente confrontado,
pois, do contrário, veremos a crise se perpetuar, o doença social agonizar...,
veremos, cada vez mais, as demandas sociais desatendidas. A continuar a navegar
esta temerária nau guiada pelo piloto-banqueiro, seremos sempre devedores do
credor-dinheiro. Por mais que estejamos esquálidos, inválidos, raquíticos, em
estado de inanição, seremos a sombra, o desvalor!
Não
faço vistas grossas para o fato de que é um grande desafio harmonizar a esfera
do “individual” com a esfera do “coletivo”. Mas, também é forçoso considerar
que esta harmonização não é apenas uma recomendação, mas, ao contrário, entendo
que tal harmonização é palavra de ordem. Isto, porque tal harmonização
constitui imperativo da própria natureza. A natureza é um sistema fechado. Não
produz sobras como o dinheiro. O lixo que a sistema de consumo produz é
considerado como um “fora” para a sociedade, mas para a natureza é um “dentro”.
A natureza não convive com o oposto, não segrega. Já, o dinheiro vive de
segregar. Enquanto para a natureza tudo converge, a cultura do dinheiro joga o
jogo do sim-não, do dentro-fora.
Se
para o banqueiro o devedor não paga, este devedor, por mais que tenha gerado
riqueza por intermédio da combinação entre trabalho e natureza, de nada para o
banqueiro valerá. Ou, apenas valerá o resto de patrimônio que o
abutre-banqueiro conseguir tirar do malsucedido empresário, até tirar-lhe a
última gota de sangue.
Ou
seja, o semblante da crise de valores que vivemos tem uma de suas mais
contundentes evidências ao legitimar ao banqueiro o lócus privado de credor da sociedade.
O
dinheiro deveria, quanto muito, funcionar como meio para a geração de riqueza e
progresso social, mas, de forma alguma, açambarcar o valor. Deveria estar a
serviço do fomento da riqueza e do trabalho equacionados à demanda do progresso
social e respeito à natureza. Isto é, disponibilização de dinheiro como meio de
inserção social, de propiciar o acesso à riqueza e ao trabalho. Como meio de
equacionar este alento econômico que se dá ao indivíduo de forma a conjugar
esta investida com o atendimento da demanda social por viveres e condições
salubres de existência coletiva.
Se
João empresta X de dinheiro e planta uma horta e vende verduras, com o dinheiro
das verduras paga o empréstimo. Se não consegue vender as verduras, não pode
pagar o empréstimo, mas nem por isso deixou de produzir riquezas. Se não paga o
banqueiro, pode matar a fome de alguém. Seu trabalho tem uma função social, mas
o banqueiro constantemente sublima este fato. O banqueiro, “dono do dinheiro”,
não tem riscos, pois o dinheiro é o fetiche incontrastável do valor, aquilo que
vale pelo que é e não por aquilo que pode representar. O banqueiro “dono do
dinheiro” não se responsabiliza pelo destino da riqueza que seu dinheiro
desencadeia. O banqueiro comodamente lava suas mãos. Não interessa a eles se as
roupas podem agasalhar pessoas, se os alimentos podem salvar vidas, se a
produção pode gerar lixo e poluição, se as guloseimas produzem cáries nas
crianças, se a bebida gera vício... Somente a ele interessa sua expectativa de
crédito. O único risco que corre é não poder alcançar o patrimônio do devedor
inadimplente. O banqueiro, dito “dono do dinheiro” não tem compromisso com esta
demanda de harmonização entre o individual e o coletivo. Já viu um Banqueiro
investindo em pesquisa da viabilidade econômica da reciclagem do lixo como meio
de harmonizar a demanda de geração de lixo em função do consumo à demanda de cuidar
da natureza e das pessoas? Já viu um banqueiro contentando-se em receber
proporcionalmente menos se o devedor carreia parte de sua produção para um
orfanato, por exemplo? Já viu um banqueiro preocupado com a viabilidade
econômica de um negócio, isto é, comprometendo-se a responder pelo risco de um
negócio mal sucedido?
Para
o banqueiro o dinheiro gera lucro pelo simples fato de seus juros. Isto, do
ponto de vista econômico, é uma hecatombe. O dinheiro não pode gerar nem um miligrama de
riqueza, ele não pode produzir riqueza sobre ele mesmo. Se, por exemplo, o banqueiro
empresta X e o devedor consome este dinheiro sem gerar nenhuma riqueza através
do trabalho, este dinheiro foi reduzido a zero, ao contrário da concepção
vigente de que o valor do dinheiro será X + Y (sendo “y” a paga do dinheiro).
No exemplo, o dinheiro apenas valerá a circulação que propiciou através dos
gastos realizados pelo emprestador temerário que o consumiu em prodigalidades.
Para que o dinheiro gerasse X + Y este Y teria que ser uma riqueza econômica
fruto do trabalho mais natureza. O dinheiro não pode gerar X + Y
aprioristicamente, ou pelo mero poder credor do dinheiro. O dinheiro não pode
impor a relação econômica O dinheiro, ante sua abstração, não tem tal poder de
inferir sobre a natureza. Somente a natureza detém realidade. Se o dinheiro
souber conjugar o verbo da natureza poderá representar tal realidade, do
contrário não. O dinheiro só pode ser matizado pela riqueza social (isto é,
trabalho sustentável que atende à demanda social), mas o contrário não. Se a
sociedade vai bem o dinheiro tem o valor, mas se a sociedade vai mal ou está
esquálida, podemos fazer as seguintes afirmações quanto ao dinheiro: de nada
valerá; não será em hipótese alguma credor da sociedade; quanto muito será um
impotente, por não ter cumprido sua função de fomento; no mais das vezes tem funcionado
como algoz dessa sociedade ao se apequenar no cômodo lugar do senhor-credor.
Por
hoje vamos parando por aqui. A quem deseje entender um pouco mais do meu
pensamento leia o artigo já publicado neste blog onde discorro sobre a natureza
dos juros bancários. Vamos caminhando. Saravá meu povo!
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