quinta-feira, 19 de maio de 2016

O CARPINTEIRO DAS PALAVRAS - ENSAIO SOBRE A CRISE V



O CARPINTEIRO DAS PALAVRAS

ENSAIO SOBRE A CRISE V

                Se aquele que empresta dinheiro ao banco obtém lucro e paga os juros podemos dizer que a economia vai bem?




                Na linha de raciocínio que temos desenvolvido a resposta à questão acima é: - depende. Economia não é somente a mais valia do dinheiro. Ou, dizendo melhor, o dinheiro não consegue fazer às vezes da economia, vez que a economia tem seu lócus na natureza. A relação entre homem, sociedade e natureza é expressão de economia. É uma relação complexa, vez que dinâmica. Uma sociedade pode aparentar sucesso, mas tal sucesso não alça ser um bem estático. O comércio do movimento humano e da dinâmica natural, a todo tempo, alteram o curso dos fatos.



                A pergunta acima pode ser exprimida de forma diferente: - o sucesso monetário do banco é signo de progresso social?



                Aquele que emprestou dinheiro do banco pode ganhar dinheiro com práticas nocivas à natureza, como, por exemplo, agrotóxicos, ou monocultura que devassa ecossistemas naturais; pode o dinheiro ser produto de crime; ou pode o dinheiro ser ganho a custa de trabalho escravo;  pode o dinheiro ser ganho mediante monopólio de uma fatia do mercado e por isso impeditiva de que outros possam participar de tal fatia.



                Somente tais exemplos, a despeito de outros milhares, servem para dar uma ideia de quão mais amplo é o espectro da economia comparado ao tíbio semblante do papel moeda. A grandiloquência do papel moeda não é, portanto, signo de progresso algum.



                O liberalismo tardio, assim o chamo pois já envelheceu na crise. Não obstante esta crise que perdura por anos a fio, incauta ao rastro de miséria que deixa, este natimorto liberalismo teima em querer repetir seus dogmas e teima em tentar remediar a mal com o mesmo veneno que, dia após dia, agrava a crise. Para o incauto discurso liberal, o problema continua sendo o do prejuízo econômico, o da falta do dinheiro e sempre tendo por ultima racio culpabilizar o estado pelos insucessos do mercado.   





                O dono do banco tem a veleidade de achar que pode se apropriar da economia pela sua pretensa propriedade do dinheiro. Acha que pode ditar regras e modelos de conduta; acha mais que natural colocar-se no confortável lugar de credor privado de toda uma sociedade; acha que pode exigir que a natureza se curve diante de seu poderio instituído sob o fetiche do “Deus-Dinheiro”.



                É um lugar covardemente confortável pois o dono do banco lava suas mãos quanto a responsabilizar-se pela verdadeira demanda econômica, condizente ao desafio da atuação do homem no meio ambiente de forma a equacionar o trabalho e a produção de viveres com as demandas de distribuição justa de riqueza e proteção à natureza.



Como disse, é convenientemente irresponsável ao dono do banco cingir-se ao papel de credor da pecúnia. É um estratagema que criou para justificar a apropriação privada de um bem ou uma demanda que são públicos e vocacionados ao social e nunca podem ser objeto de monopólio privado.   Digo isto não apenas por uma questão de moral, pois, a despeito de qualquer valoração dual de bem-mal, a economia repousa na natureza. A apropriação privada do dinheiro de nada serve caso não comprometida com equilíbrio das relações humanas e naturais. O rio poluído; o mar extenuado pela morte da fauna e da flora; o homem aniquilado pela droga, pelos agentes nocivos químicos; a morte do solo; a contaminação dos nossos mananciais; a miséria, a violência, a doença; são, de per si, deseconomias. Zombam da hipocrisia do dono do banco montado em seu dinheiro.



                O dinheiro pode, sim, prestar-se a função de fomento do crescimento econômico, mas deve estar a serviço do progresso social, entendido como progresso das relações humanas e naturais. O empréstimo do dinheiro não é um fim em si e, muito menos, um fim hedonístico do pretenso dono do dinheiro.



                Assumir a função de emprestador do dinheiro significa assumir a responsabilidade por uma racionalidade da economia de forma a compatibilizar o trabalho com as demandas humanas e naturais. Significa ser corresponsável pelo negócio, por seus impactos humanos e naturais. Significa assumir ou ser um coparticipante do risco do negócio. Se, por exemplo, o banco empresta dinheiro à indústria de automóveis e esta industria contribui para a poluição do meio ambiente, contribui para jogar o lixo das peças automotivas, pneus, carros velhos; devemos seriamente refletir sobre o limbo indesculpável que o liberalismo tenta querer perpetuar ao simplesmente livrar qualquer responsabilidade do dono do banco por estes impactos econômicos. Todas estas consequências são econômicas, porém o egoísta dono do banco simplesmente considera-se credor do seu dinheiro e ponto. A natureza e as pessoas que suportem o prejuízo! Não responde o dono do banco pelo ataque à natureza e às pessoas que o empréstimo irresponsável do seu dinheiro gerou. É neste mundo de mediocridade, egoísmo e falsidade que pretendemos continuar vivendo? Vamos continuar permitindo que o planeta e as pessoas sejam cada dia mais agredidos e supliciados a custa de um estúpido direito privado ao crédito? Vamos continuar permitindo a apropriação privada da função de fomento?

               

                Bem amigos, por hoje está bom. Continuaremos na próxima semana, se Deus quiser, em nossa peregrinação filosófica. Falaremos um pouco das demandas de produção de ciência e pesquisa, as quais indispensáveis ao desiderato econômico de atuação consequente na natureza. Saravá do Othon da Viola!




sexta-feira, 6 de maio de 2016

O CARPINTEIRO DAS PALAVRAS - ENSAIO SOBRE A CRISE IV



 O BANQUEIRO DONO DO DINHEIRO E CREDOR DA SOCIEDADE.


                 
Falávamos sobre a crise, que, a par de seus reflexos materiais, é, sobretudo, moral e de valores, atinente à incapacidade da sociedade “dita civilizada” de alcançar um patamar de convívio social sábio e pacífico. É paradoxal que nossa sociedade ocidental, a par de seus avanços científicos e tecnológicos, logrando alcançar a lua, quebrar o átomo, até o presente conviva com este grau de primariedade sobretudo moral. É interessante que o progresso da inteligência não caminha inexoravelmente no mesmo sentido do progresso moral, conclusão já tecida por Jean Jacques Rousseau, quando em 1750 ganhou prêmio da Academia de Dijon ao responder à questão de se o progresso da ciência contribuiu para o progresso dos costumes.

               

                Comenta-se que nossa sociedade “dita civilizada” não conseguiu atingir o grau de coesão social dos índios. Nossa sociedade ocidental, formatada na máxima hedonista da busca do prazer individual e na dogmatização das relações, nega o corpo, nega o âmbito coletivo e nega a relação com a natureza. Ou melhor a relação com a natureza, a qual por si abrangente e rica de “n” matizes, é hermetizada na relação de consumo e na repetição ou dogmatização condizente à rotina que nos amolda à peças da linha de produção direcionada à produção e ao consumo. Por não nos permitirmos uma relação mais profunda e abrangente com a natureza, via de consequência, nossa experiência é amesquinhada. Já, os índios que, paradoxalmente, têm parcos recursos tecnológicos, de outra banda, têm uma profunda e rica relação com a natureza.

               

                Neste espectro da transformação da natureza, por si complexa, fluida e dinâmica, num fetiche sem vida, vou me deter por ora no papel atribuído ao dinheiro de propiciar a disciplina da reprodução da natureza afunilada na camisa de força que lhe querem impingir.

               

                A pretensão do dinheiro valorar a natureza é bastante limitada em vários sentidos, seja porque afere analogicamente, seja porque pensa monopolizar o valor que à natureza e não a ele pertence. O dinheiro, na sua formatação da cultura ocidental, é um sobrevalor sobre o valor, é um monopólio do mais rico oprimindo o mais pobre. O dinheiro do mais pobre deveria ter o poder do comprar relativamente mais. Deveria... porém, o contrário é o que acontece. Países ricos costumam ter moeda mais forte.



                O dinheiro, em nossa cultura ocidental, funestamente, cumpre o papel de segregar, de impor relações assimétricas. O maior exemplo disso são os Bancos, os quais ocupam, em nossa cultura do dinheiro, o lugar de credor da riqueza. Ou seja, a riqueza deve ao dinheiro. O trabalho deve ao dinheiro.  O ar que respiramos, a água que bebemos, todos somos devedores do dinheiro. É uma sociedade masoquista do “culto ao dinheiro” como validador das relações. Se a relação não puder ser validada pelo dinheiro está sujeita ao limbo, ao ocaso.

               

                Este lugar do banqueiro como credor da sociedade precisa ser seriamente confrontado, pois, do contrário, veremos a crise se perpetuar, o doença social agonizar..., veremos, cada vez mais, as demandas sociais desatendidas. A continuar a navegar esta temerária nau guiada pelo piloto-banqueiro, seremos sempre devedores do credor-dinheiro. Por mais que estejamos esquálidos, inválidos, raquíticos, em estado de inanição, seremos a sombra, o desvalor!



                Não faço vistas grossas para o fato de que é um grande desafio harmonizar a esfera do “individual” com a esfera do “coletivo”. Mas, também é forçoso considerar que esta harmonização não é apenas uma recomendação, mas, ao contrário, entendo que tal harmonização é palavra de ordem. Isto, porque tal harmonização constitui imperativo da própria natureza. A natureza é um sistema fechado. Não produz sobras como o dinheiro. O lixo que a sistema de consumo produz é considerado como um “fora” para a sociedade, mas para a natureza é um “dentro”. A natureza não convive com o oposto, não segrega. Já, o dinheiro vive de segregar. Enquanto para a natureza tudo converge, a cultura do dinheiro joga o jogo do sim-não, do dentro-fora.

               

                Se para o banqueiro o devedor não paga, este devedor, por mais que tenha gerado riqueza por intermédio da combinação entre trabalho e natureza, de nada para o banqueiro valerá. Ou, apenas valerá o resto de patrimônio que o abutre-banqueiro conseguir tirar do malsucedido empresário, até tirar-lhe a última gota de sangue.



                Ou seja, o semblante da crise de valores que vivemos tem uma de suas mais contundentes evidências ao legitimar ao banqueiro o lócus privado de credor da sociedade.

                O dinheiro deveria, quanto muito, funcionar como meio para a geração de riqueza e progresso social, mas, de forma alguma, açambarcar o valor. Deveria estar a serviço do fomento da riqueza e do trabalho equacionados à demanda do progresso social e respeito à natureza. Isto é, disponibilização de dinheiro como meio de inserção social, de propiciar o acesso à riqueza e ao trabalho. Como meio de equacionar este alento econômico que se dá ao indivíduo de forma a conjugar esta investida com o atendimento da demanda social por viveres e condições salubres de existência coletiva.

               

                Se João empresta X de dinheiro e planta uma horta e vende verduras, com o dinheiro das verduras paga o empréstimo. Se não consegue vender as verduras, não pode pagar o empréstimo, mas nem por isso deixou de produzir riquezas. Se não paga o banqueiro, pode matar a fome de alguém. Seu trabalho tem uma função social, mas o banqueiro constantemente sublima este fato. O banqueiro, “dono do dinheiro”, não tem riscos, pois o dinheiro é o fetiche incontrastável do valor, aquilo que vale pelo que é e não por aquilo que pode representar. O banqueiro “dono do dinheiro” não se responsabiliza pelo destino da riqueza que seu dinheiro desencadeia. O banqueiro comodamente lava suas mãos. Não interessa a eles se as roupas podem agasalhar pessoas, se os alimentos podem salvar vidas, se a produção pode gerar lixo e poluição, se as guloseimas produzem cáries nas crianças, se a bebida gera vício... Somente a ele interessa sua expectativa de crédito. O único risco que corre é não poder alcançar o patrimônio do devedor inadimplente. O banqueiro, dito “dono do dinheiro” não tem compromisso com esta demanda de harmonização entre o individual e o coletivo. Já viu um Banqueiro investindo em pesquisa da viabilidade econômica da reciclagem do lixo como meio de harmonizar a demanda de geração de lixo em função do consumo à demanda de cuidar da natureza e das pessoas? Já viu um banqueiro contentando-se em receber proporcionalmente menos se o devedor carreia parte de sua produção para um orfanato, por exemplo? Já viu um banqueiro preocupado com a viabilidade econômica de um negócio, isto é, comprometendo-se a responder pelo risco de um negócio mal sucedido?



                Para o banqueiro o dinheiro gera lucro pelo simples fato de seus juros. Isto, do ponto de vista econômico, é uma hecatombe.  O dinheiro não pode gerar nem um miligrama de riqueza, ele não pode produzir riqueza sobre ele mesmo. Se, por exemplo, o banqueiro empresta X e o devedor consome este dinheiro sem gerar nenhuma riqueza através do trabalho, este dinheiro foi reduzido a zero, ao contrário da concepção vigente de que o valor do dinheiro será X­ + Y (sendo “y” a paga do dinheiro). No exemplo, o dinheiro apenas valerá a circulação que propiciou através dos gastos realizados pelo emprestador temerário que o consumiu em prodigalidades. Para que o dinheiro gerasse X + Y este Y teria que ser uma riqueza econômica fruto do trabalho mais natureza. O dinheiro não pode gerar X + Y aprioristicamente, ou pelo mero poder credor do dinheiro. O dinheiro não pode impor a relação econômica O dinheiro, ante sua abstração, não tem tal poder de inferir sobre a natureza. Somente a natureza detém realidade. Se o dinheiro souber conjugar o verbo da natureza poderá representar tal realidade, do contrário não. O dinheiro só pode ser matizado pela riqueza social (isto é, trabalho sustentável que atende à demanda social), mas o contrário não. Se a sociedade vai bem o dinheiro tem o valor, mas se a sociedade vai mal ou está esquálida, podemos fazer as seguintes afirmações quanto ao dinheiro: de nada valerá; não será em hipótese alguma credor da sociedade; quanto muito será um impotente, por não ter cumprido sua função de fomento; no mais das vezes tem funcionado como algoz dessa sociedade ao se apequenar no cômodo lugar do senhor-credor.

               
 Por hoje vamos parando por aqui. A quem deseje entender um pouco mais do meu pensamento leia o artigo já publicado neste blog onde discorro sobre a natureza dos juros bancários. Vamos caminhando. Saravá meu povo!