terça-feira, 1 de maio de 2012






"Cultura e Credo", por Othon da Viola, inspirado na Inocent´arte

Cultura sem credo não é cultura. Produzir cultura é desejar um algo que não pode ser considerado como um fim externo a si. Por isto, a cultura como objeto de estudo é uma especulação sobre a cultura, o que não se confunde com a cultura propriamente dita. A cultura tem desígnios e demandas próprias.
O ritual nas sociedades tribais é um ótimo exemplo de um acontecer que não pode ser destacado do sentido que o grupo lhe atribui, sob pena de, encarado como especialidade (por ex, o dançar, o ritmo, a música, considerados como meros produtos), desfigurar-se. 
            Toda cultura envolve um drama, algo que se acredita e imagina na ótica lúdica e afetiva do sujeito.
            Toda razão que intente colocar freios a este drama, sob as justificativas supostamente bem intencionadas, está fadada ao simulacro da ignorância.
            Há milhares de anos tribos antropofágicas sacrificavam homens em meio a suas práticas simbióticas de comunicação com o sagrado e de ritualização da relação com a natureza pelas boas colheitas. Dir-se-á tratar-se de uma prática bárbara e irracional. Contemporaneamente, fabricam-se armas em prol do lucro, do hedonismo econômico, e daí a se indagar sobre o que há de mais civilizado nisto comparado à mencionada prática ritual antropofágica. Os de outrora ainda tinham o beneplácito da crença, os de hoje sabem muito bem (ou deveriam saber) das violentas implicações das armas de fogo a serviço da acumulação de riquezas. Sem querer colocar um ponto final na questão, a prática atual me parece mais promíscua, pois que a busca do lucro teima em se autojustificar, por qualquer meio que seja.
            Considerando esta relação entre credo e cultura, no Brasil, assim como em outros povos, muitas manifestações culturais se sedimentaram no ambiente da relação com o sagrado; manifestações, que, embora se denominem folclóricas, não é este o melhor jargão para tais manifestações. Digo isto, porque folclore, no sentido de alegoria ou fantasia, é a maior antítese e afronta ao desiderato daqueles que exprimem sua relação com a cultura através do credo. A “Folia de Reis” ou a “Dança de São Gonçalo”, por exemplo, são práticas onde a simbolização do poder, a volição, a construção de sentido, são fundamentais, e funcionam como pedra de toque, de geração em geração, no perpetuar de tais práticas.
            É ingênuo a instituição-religião considerar que pode por ferros ao imaginário, ou, em outras palavras, monopolizar a ritualização do acesso ao sagrado, ou, de outro lado, o Estado Laico, acreditar que a razão dita “universal” (ou que se pretenda a tanto) pode fazer às vezes da experiência pessoal de cada indivíduo de construir a sua própria estória.  
           
Recorrentemente, neste nosso Brasil de muitos horizontes e quereres, a pedagogia se restringe ao credo religioso, passado pela tradição, ou, mesmo, perpetuado pelo culto formal dos templos. Se aqueles inseridos formalmente na economia e submetidos a uma educação escolar possuem necessidade de simbolizar e vivenciar o poder, o mesmo se dá com este imenso Brasil, cujos habitantes, no mais das vezes, tem na busca de sustento e relação com o sagrado sua pedagogia.  
            Por isso, acredito que seja heresia querer rotular a cultura popular de “folclore” ou “arte ingênua”, pois que efetivamente a cultura popular revela um segmento social que detém poder, constrói sentido e faz história.
Vejo em nossas manifestações populares de acesso ao sagrado muita sabedoria, seja porque são práticas grupais (acesso democrático) e comunicativas (isto é, nas quais a relação com o outro, a representação e caráter público são inerentes), seja porque vivenciam tal relação com o sagrado corporalmente (ao contrário, de muitas práticas equivocadas, onde o acesso ao sagrado é confinado ao âmbito de uma relação solitária neuronal – o corpo alienado).
Desde sempre, acredito que o maior desafio da Instituição-escola seja despir-se de preconceitos e funcionar em parceria com a comunidade, na busca de construir caminhos possíveis, claro que também ensinando, mas, sobretudo, aprendendo. Não é desafio pequeno, pois que os Setores formais, por ex, a Igreja, a Universidade, o Estado Burocrático, estão acostumados com os respectivos discursos de poder e costumam se contentar com os louros conferidos por tal status. Resta indagar: o uso do cachimbo entorta mesmo a boca?...!

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